Tuesday, September 03, 2013

any way you choose me we won't be long

"Você sabia como eu me sentia quando fechava a porta do quarto num domingo qualquer. Quando o tempo escorria e girava na sala com o televisor ligado no programa razoável da emissora mor. Enquanto vocês riam do apresentador e suas tiradas. Você sabia como eu me suportava. Eu sou você com outro nome. Até os 14 anos eu me esforcei para ser a pessoa mais desprezível daquele terreno baldio. Ali ninguém me viu dormir encolhido como um pacote numa sombra. Mas você percebia através da sua indiferença que eu morria devagar. Descobri substâncias que acalentavam a minha fúria de existir em lugares onde não deveria estar. Talvez isso fosse um alívio pra você. Eu e meu chiado asmático desafinado. Meu grito inflamável entupido através da noite, esperando pelo seu colo na escada de concreto de escola estadual Eu nunca dormi, mãe. Sempre esperei teu amparo. Eu vi você ir embora. Sempre tive medo e vergonha de admitir ser o que eu sou. O cansaço sempre foi meu estado natural. Meu vício. Uma maneira de me gastar mais depressa para desaparecer antes. Sozinho em tardes secas. Todas as vezes que eu praguejava seu nome em manhãs cinzas eu gritava de pavor. Todas as vezes que eu fugia e procurava amigos que não existiam era uma forma de tentar te encontrar. O desespero pueril de apagar antes de explodir. Eu andava por aí apalpando muros rebocados. Eu sabia no que você pensava: em nada. Éramos tão estranhos. Mas você se vingava. Eu não te conheço apesar de ter sido cuspido do seu ventre. Fui esfregado no cascalho apenas para escutar à verdade de ter sido um acidente que insistia em continuar acontecendo. Eu ainda posso sentir o cheiro daquelas manhãs. Quando ficar na fila da matrícula era algo para ser lamentado em almoços e almoços e almoços. Como deve ter sido difícil. Conceber algo que deveria ter sido expectorado. Uma farsa. Placenta de plástico. Uma charada. Uma vergonha. O garoto nada. Que roubava da sua própria carteira. Que atrapalhava o sossego de quem chegava cansado em casa. De quem chegava em casa. Eu sentia muito medo de quem chegava em casa e vinha em minha direção. Ao contrário dos seus cachorros dóceis, eu não fazia festa quando você chegava em casa. Eu esperava seu vacilo para te roubar. Eu sou um monte de raiva. Um sujeito que usa o amor como se assoasse o nariz num guardanapo transparente de televisão de boteco. Que se apega ao desespero apenas para estilhaçar tudo no final. Eu sou a pessoa que odeia fazer as coisas que gosta. Eu sou a coisa. Que nasceu e cresceu e agora derrete e se olha no reflexo das coisas brilham e se lembra de tudo. Da ausência. Eu sinto esse frio de quem rouba e escapa e que fica drogado e cheio de febre sexual e já não tem mais medo e que não vai mais voltar pra casa e que vai morrer sozinho com os dentes intactos" Lou Barry

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